GASTRONOMIA

 

  • A História do Churrasco

    Ele é elemento de confraternização, um alimento apreciado por quase todos e um dos mais antigos pratos do mundo. O churrasco está cada vez mais presente no universo gastronômico, fazendo dos rodízios, sua mais avançada modalidade, uma das melhores opções de alimentação do Homem atual. Saiba como ele foi descoberto e que transformações sofreu durante o percurso de sua história.

    A carne. Esse alimento tem acompanhado a evolução do Homem desde a época em que ele habitava as escuras cavernas. Nos primeiros tempos a alimentação humana era essencialmente vegetariana, feita principalmente da coleta de frutos e algumas folhas. Mas uma vez provada a carne, esta jamais saiu do seu menu, incorporando-se definitivamente aos seus hábitos alimentares. Depois da descoberta desse sabor, qualquer animal que andasse por cima da terra, cruzasse os ares ou deslizasse sob as águas dos rios era prenúncio de um delicioso e fausto banquete.

    Para isso, esse ancestral do Homo sapiens, saia à caça munido de paus e pedras ou de uma arma que naquela época era o que havia de mais avançado em termos de tecnologia: a lança de pau com ponta de pedra afiada. Essas batalhas diárias, travadas com as feras pela sobrevivência, garantiu a perpetuação da espécie, contribuindo para a sua evolução até os nossos dias.

    Os primeiros nacos de carne saboreados pelo Homem foram "in natura", leia-se, crus e cheirando a sangue. O único referencial que os candidatos a "gourmets" daqueles tempos possuíam era a prática observada entre os outros animais carnívoros que, além de serem os seus primeiros "professores gastronômicos", também engrossavam o cardápio dos humanos. Essa tradição culinária - de comer carne crua - é mantida ainda hoje pelos esquimós com a foca e por algumas comunidades árabes com a carne de cordeiro.

    Nasce o churrasco

    Assim se alimentou a humanidade por longos anos até que descobriram o fogo, elemento natural que mudou radicalmente a vida de todos que passaram a dominá-lo e a usufruir de sua força transformadora. Inicialmente ele só servia para aquecer durante o inverno e para afugentar as feras que queriam fazer do Homem o seu prato predileto.

    Mas um belo dia, por acaso, como quase todas as grandes descobertas da humanidade, alguém resolver chamuscar as carnes que tinha acabado de caçar. O resultado não podia ser melhor, pois além da considerável melhora no sabor, perceberam que nos dias seguintes o assado continuava bom para consumo, não se deteriorando tão rapidamente como a carne crua. Assim nascia o primórdio do churrasco, que podemos considerá-lo como o mais antigo dos pratos da culinária mundial.

    Outro fator que contribuiu para incrementar essa mudança nos hábitos alimentares dos nossos ancestrais foi a domesticação de rebanhos bovinos, suínos, caprinos e ovinos, o que garantiu o abastecimento seguro de carne, não mais o Homem ficando na dependência da sorte em suas caçadas.

    Tipos de churrasco

    O desenvolvimento do churrasco na culinária mundial criou um ser que, depois da carne, é imprescindível para uma boa churrascada: o churrasqueiro. Ele é um sujeito que sempre se acha o melhor especialista do mundo à beira de uma grelha com carvão acesso, algo assim como o técnico de futebol, rente ao gramado, durante uma partida. Se perguntarmos a qualquer um desses grandes mestres das brasas quantos tipos de churrasco existem, com certeza responderá que "existem dois, o meu e o dos outros".

    O churrasco, tanto no Brasil como nos outros países do Mercosul, desperta muitas paixões e opiniões. Isso é natural, pois quase todas as pessoas gostam, além de ser uma das melhores formas de se alimentar e, ao mesmo tempo, confraternizar com a família e os amigos.

    Radicalismos de churrasqueiros à parte, há "churrascólogos" sérios que mostram que há vários tipos de churrascos e não só os dois definidos pelos "domingueiros do espeto". Esse é o caso do gourmet gaúcho Leon Hernandes, autor do livro A arte do churrasco (Ática, 1998). Nessa obra ele enumera as seguintes modalidades de churrasco: primitivo, de couro, de labareda, assado no barro, de grelha, dos imigrantes, de espeto, a parrillada e o rodízio.

    De acordo com Hernandes o primitivo, também chamado de selvagem, é um tipo de churrasco feito "em geral no campo a céu aberto ou no chão de um rústico galpão". A carne escolhida é quase sempre uma costela ou matambre, temperado pelo sal grosso que é dado para o próprio gado. Come-se de pé, sem acompanhamentos e nem talheres, cada um dos participantes tirando um naco do próprio espeto.

    Já o churrasco de couro, comum na fronteira entre o Uruguai e a Argentina, está cada vez mais esquecido. Antigamente quando matavam um boi, retiravam um pedaço do traseiro com a picanha, o file e a alcatra, junto com o couro, e assavam essa peça lentamente. Hoje só é feito pelos que gostam de manter as tradições gaúchas.

    O churrasco de labareda é feito no campo, durante uma árdua jornada de trabalho e, em geral, com pressa para o almoço. Trata-se do fogo alto, com fortes labaredas, que assa um fino pedaço de carne espetado em um pau, que é rodado meia hora por um churrasqueiro. Não tem muita elaboração, mas garante o fim da fome e a continuidade da labuta.

    O assado no barro vale ser citado só pela curiosidade, pois hoje em dia quase não é mais feito. O gaúcho abria um buraco no chão e nele acendia o fogo. Depois de algum tempo aquecendo o local, retirava as brasas e colocava dois pedaços de carne, ainda com couro, sendo que os músculos ficavam para a parte de dentro. Feito isso, acendia novamente o fogo por cima e esperava a carne assar.

    O churrasco de grelha, como o nome já diz, é feito em uma grelha de ferro que, nos seus primórdios, era de pau. Esse tipo de churrasco é muito apreciado no Uruguai, mas alguns cortes de carne necessitam de adaptação, como é o caso "da picanha, por exemplo, que não poderá ser assada inteira, e sim dividida em postas", explica Hernandes em seu livro.

    Também há que se ressaltar a influência dos imigrantes na realização do atual churrasco gaúcho. Dos italianos incorporamos o galeto e a polenta como acompanhamento, além de algumas saladas. Já dos alemães a influência foi marcada pelos salsichões que eles não dispensam e pelo consumo da carne de porco, que é uma das suas prediletas.

    O churrasco de espeto, que todos conhecem, é o mais popular e apreciado. Como bem sintetiza Leon Hernandes ele está "em uso desde o tempo das cavernas". Hoje é de metal, podendo ser encontrado em qualquer supermercado e com um custo bastante acessível. Suas primeiras versões eram feitas de um resistente galho de árvore. Conta a lenda que, na Idade Média, em muitas caçadas os homens usavam a própria espada como espeto, dando a ela uma utilidade menos bélica e mais nobre.

    Sobre a parrillada há que se registrar que é uma modalidade de churrasco muito utilizada no Uruguai, na fronteira do Rio Grande do Sul e também na Argentina. Ele consiste em uma grelha portátil que é colocada sobre a mesa, como se fosse um fogareiro com carvão, na qual são colocadas as carnes assadas para serem saboreadas por todos.

    Quando se conta a história do churrasco jamais podemos esquecer a sua mais moderna e bem sucedida modalidade: o rodízio. Ele surgiu inicialmente em restaurantes na beira de estradas para atender os caminhoneiros que queriam comer carne de boa qualidade, sem gastar muito e rapidamente, pois tinham que seguir viagem e o frete sempre foi caro. Com o passar do tempo essas casas ganharam fama e começaram atrair clientes de todos os lugares.

    Esse foi o convite que os rodízios esperavam para entrarem nas cidades, iniciando a competição com os restaurantes das cozinhas mais tradicionais. A concorrência fez com que as churrascarias rodízio se sofisticassem, ampliando os seus bufês de saladas e oferecesse outros pratos. Somado a tudo isso, a vantagem de se comer bem por um único preço.

    Nos dias de hoje, praticamente todas as pessoas gostam das churrascarias rodízio. Nelas é possível encontrar uma grande variedade de carnes e seus diferentes cortes, além de uma série de pratos da cozinha italiana, espanhola, japonesa e portuguesa. Não há como sair com fome de uma dessas casas, pois não falta opções para todos os gostos. Só não vá a um rodízio se você estiver de regime. Será muito difícil resistir a tentação. Se não é o seu caso, bom apetite!

    Texto publicado originalmente na revista Churrasco & Churrascarias, em 1999.